The Town (2010)

Dizem que uma pessoa é um produto do meio onde se insere. Para azar de Doug MacRay (Ben Affleck), o seu é o bairro de Charlestown, em Boston, premiado pelas estatísticas como o maior viveiro de assaltantes de bancos dos EUA. Abandonado pela mãe ainda na infância e com o pai (Chris Cooper) a cumprir pena desde há muito, Doug segue as pisadas do progenitor e a tradição do bairro ganhando a vida em assaltos à mão armada, juntamente com o seu melhor amigo James “Jem” Coughlin (Jeremy Renner) e os outros membros do seu gangue, a soldo de um gangster conhecido como “O Florista” (Peter Postlethwaite).

Sem quaisquer perspectivas de futuro, subsistindo na sua rotina até que um assalto corra mal e acabe preso ou até morto, a vida de Doug muda quando num dos seus “trabalhos” o gangue faz refém Claire Keesey (Rebecca Hall), a gerente do banco. Após descobrir pouco depois que Claire vive precisamente em Charlestown, e perante o risco de poder no futuro reconhecê-lo ou a algum dos comparsas, Doug aproxima-se dela para averiguar se Claire constitui uma ameaça, mas acaba por envolver-se romanticamente com a gerente. Claire desperta em Doug o desejo de abandonar a sua vida criminosa e de fugir do bairro onde nasceu e cresceu, mas as pressões dos seus companheiros e as ameaças d’O Florista à vida de Claire obrigam-no a alinhar em mais um golpe. Tudo isto enquanto na sua peugada segue Adam Frawley (Jon Hamm), um implacável agente do FBI que não olhará a meios para deter Doug e o seu bando – mortos ou vivos.

 

Ben Affleck é um caso curioso. Começou a dar nas vistas protagonizando filmes independentes como Mallrats (1995) ou Chasing Amy (1997) de Kevin Smith e saltou definitivamente para a ribalta ao vencer o Óscar para Melhor Argumento Original em 1997 por Good Will Hunting, escrito a meias com o amigo de infância Matt Damon, onde interpretou uma personagem secundária. Mas se Affleck parecia ser uma força a ter em conta numa corrente de cinema mais alternativa, cedo pareceu ser “engolido” pelo star system de Hollywood, apostado em fazer dele mais um produto para o consumo das massas. Desde superproduções desmioladas como Pearl Harbor (2001) e Armageddon (1998) a filmes de qualidade duvidosa como o lamechas Bounce (2000) ou a horrível adaptação de Daredevil (2003), Affleck atingiu em definitivo o fundo do poço quando no auge da sua mediática relação com Jennifer Lopez fez par romântico com esta num desastre épico intitulado Gigli (2003), presença incontornável em qualquer lista de piores filmes do ano/da década/de sempre que se preze. Os termos “canastrão” e “expressividade nula” eram também frequentemente utilizados na descrição do seu trabalho enquanto actor.

Mas eis que em 2007, quando já ninguém dava nada por ele, Affleck surpreende meio mundo ao realizar Gone Baby Gone, uma adaptação do livro de Dennis Lehane. A qualidade do seu trabalho, numa obra que misturava de forma muito hábil géneros díspares como drama e thriller, assim como o modo competente como dirigiu um elenco que incluía o seu irmão Casey valeu-lhe fortes elogios da crítica e do público.

 Três anos depois, Affleck volta atrás das câmaras (e também “arrisca” à frente delas) com The Town, mais um misto de drama e thriller a que desta vez junta também sequências de acção mais exuberantes e explosivas. Numa assumida homenagem ao género do clássico heist movie, nomeadamente ao mui referenciável Heat (1995) de Michael Mann, Affleck constrói uma obra de qualidade que tanto se debruça por temáticas mais profundas como a redenção e a capacidade de mudar as nossas vidas, como entretém o espectador com cenas de acção muito competentes que incluem tiroteios, perseguições de carro e até algum humor – a cena em que o gangue disfarçado de freiras dá inadvertidamente de caras com um pobre e indefeso polícia que mais não pode fazer do que ficar a olhar impávido para eles enquanto fogem é daquelas de fazer rir uma sala inteira.

Quanto às interpretações, o melhor elogio que se pode fazer a Affleck é que não destoa muito dentro de um elenco de grande qualidade, embora fosse inevitável que Jeremy Renner lhe roubasse todas as cenas em que entra – depois de explodir (literalmente) em The Hurt Locker (2008), Renner volta a dar vida a uma personagem que vive nos limites, e comprova, se dúvidas houvesse, que é merecidamente um dos actores do momento em Hollywood. Os televisivos Blake Lively (de Gossip Girl) e Jon Hamm (de Mad Men) – especialmente este – fazem com sucesso uma transição que nos últimos anos se tem processado mais no sentido contrário. Por fim, e guardando o melhor para o fim, a britânica Rebecca Hall, a tal que cometeu a proeza de (quase) ofuscar as mais exóticas e exuberantes Penélope Cruz e Scarlett Johansson em Vicky Christina Barcelona (2008) de Woody Allen. Hall é definitivamente daquelas actrizes por quem pagaria um bilhete de cinema só para a ver no grande ecrã, e neste filme volta a mostrar toda a sua versatilidade e talento. A sua Claire Keesey faz com que nunca mais encaremos a expressão sunny day da mesma forma.

 Ben Affleck consegue assim corresponder (talvez até superar) as expectativas criadas com a sua primeira longa-metragem na cadeira de realizador. Resta esperar para ver se consegue manter a bitola e confirmar-se como um cineasta de inegáveis méritos, ou se voltará a ajoelhar-se perante a voracidade infindável dos grandes estúdios. 

 

 

 

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